“O marxismo não fala sobre isso” – na verdade você é que não estudou (Por P. A. Lopes)

O método materialista-histórico-dialético criado por Marx e Engels é a eterna ciência social do proletário e, por isso, ela pode ser – é e foi – aplicada a toda e qualquer relação social, por isso a doutrina marxista detém uma variada gama de pensadores nas mais diversas áreas, o que dá ao marxismo uma polivalência. Então, o marxismo detém não só uma filosofia e metodologia de compreensão do mundo, como também vários conceitos e teorias – partindo dessa filosofia e metodologia – nas mais diversas áreas e temas.

Ao se dizer marxista, uma pessoa assume seguir o método, assim como – por consequência – os estudos derivados dele que melhor compreendem a realidade, variando somente o tema e área que aquela pessoa vai ter interesse. Porém hoje em dia é comum vermos “marxistas” usando de teorias pós-estruturalistas, subjetivistas e/ou revisionistas, afirmando que tais teorias não só trazem conceitos novos, como também estudam problemáticas não tratadas pelo marxismo. Isso é uma junção de dois erros graves. O primeiro a falta de profundidade no marxismo dessas pessoas que não compreendem a extensão desse pensamento e por vezes acabam dizendo que tais problemáticas não foram tratadas por marxistas, quando na verdade foram, muito antes e de uma forma mais profunda, algumas tratadas até mesmo por Engels e Marx – como, por exemplo, a questão da opressão da mulher, que muita gente diz que o marxismo não fala. E o segundo grande erro consiste quando uma problemática realmente não foi tratada pelo marxismo, o que é raro, esses “marxistas” no lugar de analisarem ela novamente pelo método, fazem o caminho mais fácil, e por consequência errado. Eles simplesmente pegam outros autores que estudaram esse tema, por vezes pós-estruturalistas, e aderem a resposta que esses já tiveram sobre o tema, sem questionar se aquela resposta correspondem à realidade e se o caminho levado até elas correspondem ao método marxista. Pois não é um erro aderir a novas problemáticas, isso é mais que correto, o grande erro está em aderir toda e qualquer resposta dada a essas problemáticas sem uma análise minuciosa se aquilo correspondem a uma real analise de realidade, ou seja, se corresponde ao método marxista de análise de mundo.

Precisamos pensar em três coisas: 1- o porquê de isso acontecer 2- qual o impacto 3- uma solução

1- O porquê de isso acontecer?

Isso se dá – primeiramente – pelo obvio: o sistema no qual estamos inseridos. O sistema capitalista tem total influência nesse ponto, pois para a classe superior é obviamente melhor e menos perigoso financiar, divulgar e dar maior visibilidade a tais teorias, fazendo com que as massas e muitas pessoas dentro da universidade adotem tais teorias, desde marxistas vulgares em cargos de professores universitários que somente falam de Marx, mas pouco compreendem, até alunos de universidade que muito falam em um socialismo e um mundo melhor, mas conhecem Marx somente por terceiro e as vezes nunca leram-no no original, isso vale também para muitas juventudes comunistas e membros de partidos comunistas.

“No domínio da filosofia, o revisionismo caminhava a reboque da ‘ciência’ académica burguesa. Os professores ‘voltavam a Kant’, e o revisionismo arrastava-se atrás dos neokantianos; os professores repetiam, pela milésima vez, as vulgaridades dos padres contra o materialismo filosófico, e os revisionistas, sorrindo condescendentemente, resmungavam (repetindo palavra por palavra o último Handbuch [Manual]) que o materialismo havia sido ‘refutado’ há muito tempo. Os professores tratavam Hegel como um ‘cão morto’ e, pregando eles próprios, o idealismo, mas um idealismo mil vezes mais mesquinho e banal que o hegeliano, encolhiam desdenhosamente os ombros diante da dialética, e os revisionistas mergulhavam atrás deles no pântano do aviltamento filosófico da ciência, substituindo a ‘subtil’ (e revolucionária) dialética pela ‘simples’ (e tranquila) ‘evolução’; os professores ganhavam os seus ordenados do Estado acomodando os seus sistemas, tanto os idealistas como os ‘críticos’, à ‘filosofia’ medieval dominante (isto é, à teologia), e os revisionistas aproximavam-se deles, esforçando-se por fazer da religião ‘assunto privado’, não em relação ao Estado moderno, mas em relação ao partido da classe de vanguarda.” LENIN, Marxismo e Revisionismo, 1908.

Em segundo ponto, por causa da falta de formação das lideranças comunistas existentes hoje. Hoje temos um “marxismo” que pouco entende de economia e muito fala de problemas sociais, socialismo e classe, sem realmente compreender como isso dá na sociedade. E quando compreende, é de maneira simplista e vulgar desligando muitos problemas que estão ali inseridos de suas fontes, como a opressão da mulher, negros e assim por diante. Em um artigo sobre os problemas da renda básica, o economista marxista Paul Cockshott fala sobre esse grande problema da esquerda atual:

“O movimento de esquerda ainda está preso em uma conjuntura pós-soviética. Pelos últimos 25 anos tem se dado um hiato ideológico, faltando qualquer concepção clara de o que uma economia socialista de verdade seria. A derrota do socialismo até então existente na Europa obviamente paralisou os partidos comunistas e sociais democratas. Cada um abandonou suas visões de socialismo e, de uma forma ou outra, se adaptou ao capitalismo.

O fatalismo nos anos 90 e início dos anos 2000 parecia ter a história ao seu lado, até vir 2008, desacreditando tal acomodação aos olhos da uma nova geração. Desde então movimentos de esquerda como Occupy (EUA), Podemos (Espanha), Syriza (Grécia) e a ‘guinada à esquerda’ do Labour Party (Reino Unido) têm se renovado mais desorientados pela conjuntura ideológica pós-soviética que os Blairites (Nota do tradutor: Blairite é o termo utilizado para se referir a apoiadores do ex-líder do Labour Party (UK) e sua linha ideológica neoliberal semelhante à de Hillary Clinton).

Política de sucesso precisa de economia política de orientação. O movimento social democrata antigo utilizava da economia Marxista e, a partir dos anos 40, teoria Keynesiana. Gordon Brown pelo menos tinha a sua teoria pós-neoclássica de crescimento endógeno. O que resta à esquerda contemporânea?

O Marxismo acadêmico não tem sido de muita ajuda. Só uma minoria de seus estudiosos foca em economia política e, dentro dessa minoria, o foco é muito mais em crítica do que em economia política por se dizer. No máximo, estudam o capitalismo contemporâneo, mas nada tem a dizer sobre o que deve o repor.

No lugar disso, temos uma série de regressões: voltamos ao Keynesianismo, ao fetichismo stalinista ou ainda mais atrás, chegando a Trotsky, Kautsky e Marx. Nos piores casos, vemos a adoção de doutrinas Hayekianas como a renda básica.”  COCKSHOTT, What is wrong with the idea of basic income, 2017.

2- Qual o impacto disso?

Como impacto disso nós temos movimentos sociais ditos socialistas que pouco entendem de marxismo, dizem por aí criar novos termos e ideias, da maneira mais solta e sem base real que muitas vezes já foram formuladas antes, com melhor embasamento, pautadas na realidade por meio do marxismo. E nisso posso reafirmar a ideia de Lenin da importância da prática para o socialista, a prática é fundamental! Porém algo a se pensar nisso é se toda prática é válida. Afinal partidos de direita também tem prática, porém lhes falta atuação perante as massas, já os anarquistas tem práticas em meio as massas e ambas são doutrinas sem embasamento real e que só ajudam a piorar a realidade.

Em caso de professores universitários, isso acaba por formar uma legião de pessoas que vão adotar conceitos e aprender conceitos da forma mais medíocre que tem, porém isso não chega aos pés de movimentos pós modernos, que em muitos casos, se dizem marxistas, porém não compreendem que a opressão da mulher – por exemplo – está totalmente ligada a questão de classe, assim como também falam sobre apropriação cultural sem nunca conseguirem fazer um embasamento teórico sobre e ignorando a contribuição e leitura sobre o tema da cultura que Adorno e Horkheimer já fizeram e muito melhor, vários anos antes, quando falavam da Industria Cultural como um real problema, não aquela coisa leiga chamada apropriação cultural¹.

Isso tudo só serve para criar cada vez mais movimentos identitários que não tenham qualquer utilidade, pois esses movimentos não compreendem onde surgem suas opressões e buscam acabar com essas sem destruir a raiz desse problema: a sociedade de classes capitalista. Se um movimento não entende que essa é a base fundamental de sua opressão e sem a destruição disso é impossível mudar a estrutura que cria sua opressão, aquele movimento é fadado ao fracasso e é inútil socialmente para os oprimidos, servindo somente aos interesses do capital ao dividir a classe trabalhadora e desorganizar a revolução, como diria Alan Wood:

“A fim de produzir a revolução socialista, é necessário unir a classe trabalhadora e suas organizações, cruzando todas as linhas de linguagem, nacionalidade, raça, religião e sexo. Isto implica, por um lado, que a classe trabalhadora deve tomar para si a tarefa de combater todas as formas de opressão e exploração, e colocar-se como a líder de todas as camadas oprimidas da sociedade, e por outro, deve rejeitar decisivamente todas as tentativas de dividi-la – mesmo quando estas tentativas forem feitas por setores dos próprios oprimidos.” WOOD, Alan, Marxismo versus feminismo – A luta de classes e a emancipação da mulher, 2001.

3- Uma solução

Estudar. Parte da militância pode argumentar que o marxismo é complexo, grandes livros, bibliografia ou que o linguajar marxista não é de fácil compreensão para a população mais pobre e isso não representa qualquer problema. Todo militante, professor de federal e afins tem como obrigação antes de abrir a boca para sair em defesa de posicionamento A ou B ter estudado e muito, então sim, você tem a obrigação de falar e mais que isso, tem a obrigação de saber passar isso para os outros de forma simples! Os livros, teorias e afins não tem qualquer obrigação de serem simples ou pequenos, pois estes tratam de temas complexos, afinal nossa sociedade é complexa, e sendo assim eles têm por obrigação destrincharem o tema que tratam o quanto precisarem para demostrar a realidade ali descrita da melhor e mais clara forma que puderem, quem tem a obrigação de dialogar é que tem que saber passar isso da melhor forma e compreender muito bem o que fala.

Todo aquele que se diz marxista, abre a boca para falar e defender teses e teorias que viu na internet sem antes cogitar se existe analise sobre o tema, ou pior, se aquilo que ele vai defender é contrário ou não a metodologia marxista, é um oportunista, preguiçoso, revisionista e sem qualquer suporte de pensamento.

Nota:

1- Texto sobre apropriação cultural:

https://www.facebook.com/UmMarxista/photos/a.371530683225186.1073741828.370696989975222/371529949891926/?type=3
Referencias:

Link do texto do Paul Cockshott em inglês:

https://paulcockshott.wordpress.com/2017/01/25/what-is-wrong-with-the-idea-of-basic-income/
Link da tradução postada aqui na page:

https://www.facebook.com/UmMarxista/photos/a.371530683225186.1073741828.370696989975222/404841193227468/?type=3

https://www.marxists.org/portugues/lenin/1908/04/16.htm

http://www.marxist.com/marxismo-feminismo-emancipacao-mulher.htm

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