Precisamos falar sobre ‘Quarta Teoria Política’: o que é a Dissidência e a sua principal diferença com o Marxismo (por B. Torres)

Um fenômeno relativamente crescente nos círculos militantes brasileiros é a chamada “quarta via política” (ou quarta teoria política). Se por um lado ela tem tido um paulatino crescimento e adesão, por outro, cresce também o número de pessoas que os qualificam como fascistas, sobretudo no seio da esquerda.

Análises reais e bem embasadas sobre o que realmente é esta corrente nunca são feitas. Compreender, de fato, o que se trata tal teoria, é uma opção que tem sido deixada de lado, dando espaço para alarmismos e confusões conceituais de todos os tipos.

Aqui, no Brasil, os adeptos da QTP (centrado sobretudo no movimento Nova Resistência) são, por um lado, classificados erroneamente como comunistas (por elementos fascistóides ou filo-fascistas, como as alas mais direitistas da LNT) e por outro lado, são classificados – também erroneamente – de fascistas (por anarquistas, e também por alguns marxistas sinceros).

E nos sobra os questionamentos: que diabos eles realmente são? E qual a percepção deles das outras correntes políticas (inclusive a nossa: o marxismo)?

Quais as principais divergências conceituais entre o marxismo e a QTP?

“Quarta via política?”

O nome de fato desta base teórica ou eixo teórico é a “dissidência”.

Dissidência seria, aqui, a “quarta via política”, que se contrapõe as outras três vias políticas antecessoras a ela.

Quais seriam estas outras vias políticas?

São elas, respectivamente: o liberalismo, o marxismo e o terceira via (fascismo e outros).

Para a Quarta Teoria, estas outras três vias/teorias, são as “três teorias da modernidade”.

Eles, a “quarta” são uma teoria que se opõe a esta modernidade e, portanto, são críticos das três teorias que advogam ela.

1 – “A quarta teoria e a ‘primeira via’ (Liberalismo)”

Para os adeptos da QTP (abreviação de Quarta Teoria Política), o liberalismo é a via que ascendeu desde o início da modernidade e que tem como sujeito político principal Indivíduo.

O liberalismo se logrou vitoriosa contra as outras duas vias (marxismo e terceira via) e, portanto, para eles, o inimigo principal a ser exorcizado.

Imperialismo, globalismo, capitalismo, etc., são, para eles, todos expressões da primeira via. Inclusive o atual regime da Ucrânia, mesmo que na análise de alguns adeptos da QTP, seja um regime de feições fascistas, é um regime que para eles é, em última instância, um desdobramento do globalismo e da Primeira Via.

Na abordagem da QTP, a primeira via, praticamente, não tem nada de aproveitável. Ela é a via política a ser derrubada, e todos esforços políticos dos grupos da QTP centram nisso.

2 – “O que a QTP fala sobre a ‘segunda via’ (Marxismo)?”

O marxismo (segunda teoria, ou segunda via), é avaliado por eles como a primeira corrente de oposição ao liberalismo, e que tem como sujeito político principal a Classe.

Segundo os mesmos, o marxismo não rompe com os paradigmas da modernidade, sendo sua oposição ao liberalismo insuficiente, e este seria um dos motivos do comunismo ter fracassado enquanto corrente política alternativa ao liberalismo. Daí estaria, o comunismo, “fadado ao fracasso”, numa espécie de abordagem fatalista, determinista ou mesmo teleológica.

No que concerne aos “elementos da modernidade” do marxismo que a QTP é crítica e opositora, há a questão do “exacerbado materialismo” e do “ateísmo” presente no empreendimento filosófico marxista, assim como se opõem a nossa perspectiva (marxista) de observar certas tendências históricas de “progresso” ou “desenvolvimento” na história das sociedades, como o Engels faz sobre o desenvolvimento da família e da sociedade primitiva em “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado” pautada nos postulados de Morgan (tido como antropologia ‘evolucionista’, algo que eles se opõe, já que se aproximam da antropologia cultural).

Mas isto, ao mesmo tempo que se apropriam de certos elementos do marxismo: a nossa análise sobre as classes, sobre a mais-valia, a defesa da socialização de fábricas e meios de produção, etc.

Disto tudo, decorre que se opõe ao socialismo científico enquanto um empreendimento “materialista” e “antirreligioso”, mas admitem parcialmente o marxismo no que eles chamam de “marxismo mítico e sociológico”.

O que seria um “marxismo mítico-sociolóico”? Seria, por parte dos dissidentes, o uso da crítica sociológica que o marxismo faz ao capitalismo, conjuntamente com “o elemento narrativo da luta de classes”.

Aqui, a oposição que os mesmos fazem ao passado do movimento comunista, se dá, sobretudo (mas não apenas) a práticas como as que foram feitas pela URSS (num determinado momento, na política contra a Igreja Ortodoxa), pela China (ao empreender novos valores, rejeitando elementos conservadores do taoísmo e confuncionismo), pela Albânia (o famoso Estado Ateu socialista), etc.

O “anticomunismo” da corrente quarto-teórica não é o mesmo franco e aberto anticomunismo que os países imperialistas realizaram contra os comunistas na Guerra Fria, onde pautavam a propaganda que o “comunismo matou mais de 200 milhões de pessoas”, ou que “os comunistas comem criancinha”.

Se comparado com o anticomunismo perpetrado no passado pela socialdemocracia alemã, que igualava os bolcheviques ao fascismo e ao absolutismo monárquico (famosa propaganda das Três Setas), ou mesmo por alguns anarquistas que bebem da propaganda da Guerra Fria, a posição da QTP em relação ao marxismo está mais para um “não comunismo” do que propriamente um “anticomunismo”.

Obviamente, como marxista pontuo: tais análises são equivocadas, e os elementos centrais da QTP possuem premissas conceituais e epistemológicas idealistas, muitas vezes “metafísica”, devido maneira de ver a política de forma quase teológica.

Mas seguindo com o texto…

3 – “O que a QTP fala da Terceira Via”?

Na abordagem da QTP, a Terceira Via tem como sujeito político principal a Nação. Para eles, esta foi outra corrente que se colocou como oposição ao liberalismo, mas que igualmente não logrou sucesso.

No que concerne ao que vem a ser a Terceira Via, nós, marxistas, podemos observar que as próprias correntes e teorias de dentro dela são diversas, e não possuem tanta coesão quanto a base da corrente teórica do marxismo (a “segunda via”).

Ora, porque? Porque nesta Via (a Terceira), nós temos países imperialistas como a Alemanha ou Portugal (imperialista de segunda ordem), onde a Terceira Via contará com um forte elemento chauvinista de imposição da vontade do Estado contra os outros povos (O III Reich Alemão que tentou se impor sobre o mundo, inclusive entre seus vizinhos europeus, ou o Estado Novo de Salazar que permanecia oprimindo as colônias portuguesas de África), ao mesmo tempo em que temos elementos da Terceira Via como Perón, na Argentina, ou como Vargas, no Brasil, que malgrado os erros de ambos, em seus últimos momentos da vida buscaram defender os interesses de suas nações, contrariando os interesses do imperialismo.

Seja o fascismo puro e simples, seja o peronismo, o getulismo… e toda a diversidade possível que podemos explorar aí, são todos do “eixo” da Terceira Via.

O Marxismo, apesar de ter muitas correntes internas, possui uma base muito única (não há como você fugir de Marx e certos postulados comuns), entretanto, a Terceira Via não tem esta característica, ela terá propriedades muito únicas em cada país onde ela se desenvolverá.

Fugindo um pouco da abordagem da QTP, e partindo para nossa abordagem (marxista): poderá se sobressair elementos progressistas da tal “terceira via” em países que resistem ao imperialismo (falo aqui, sobretudo, dos países do Terceiro Mundo), ao mesmo tempo que se sobressairá elementos reacionários da tal “terceira via” em países imperialistas de primeira ou segunda ordem.

Agora voltemos a QTP.

De forma semelhante como fazem com o marxismo, reivindicando alguns elementos e repudiando outros, a QTP faz com a Terceira Via.

Sobre o fascismo, em específico, há uma forte crítica ao racismo e ao chauvinismo, obviamente, e sobre a Terceira Via mais em geral (seja o fascismo, seja outras correntes) eles se opõem ferrenhamente ao elemento do “Estado-Nação” que a Terceira Via tanto centra no seu projeto de sociedade.

Há a concepção, entre eles, de que qualquer país, grande ou pequeno, possui particularidades regionais muito grandes, onde não se pode pautar uma identidade geral desses diversos povos e países com base no Estado, dado as múltiplas identidades regionais e locais.

Afinal, um dos eixos muito presentes do projeto de sociedade defendido por muitos adeptos da QTP aqui no Brasil, se pauta pelo regionalismo e pelo municipalismo. Ora, um elemento diametralmente oposto a concepção centralizadora do Estado-Nação, tão forte entre os adeptos do fascismo e da “Terceira Via”.

De figuras da Terceira Via, eles admitem e veem como positivo outros elementos que não estes citados acima, sobretudo no que concerne a tudo aquilo que remete a um mundo Multipolar, que contraponha a Unipolaridade do imperialismo norte-americano.

Para eles, uma das principais figuras da Terceira Via que contribuiu para esta multipolaridade, foi o argentino Perón.

4 – “E finalmente, a QTP (Dissidência)”

Agora vamos a própria QTP. Esta, se autodenomina dissidência. Em seus postulados, eles opõem a conformidade ao dissenso (e daí vem o nome da Quarta Via).

Para eles tudo que colabore com a “conformidade” está do lado inimigo e, portanto, deve ser combatido, e tudo que está ao lado do “dissenso” é considerado aliado e, portando, deve ser apoiado.

Para a Dissidência, os sujeitos políticos principais, na atualidade, são os Grupos Orgânicos ou Grupos Identitários.

O que seriam estes grupos orgânicos/identitários? Podem ser variados grupos sociais:

– Uma etnia indígena;

– O arquétipo do sertanejo nordestino;

– A resistência dos russos étnicos no leste ucraniano é a resistência de um grupo identitário;

– Os camponeses indígenas que se articulam no EZLN;

– etc.

Estes, para a QTP são os sujeitos políticos principais, não o “indivíduo” (liberalismo), não as “classes” (marxismo), nem a “nação” (terceira via), mas os “grupos orgânicos e identitários”.

Nas bases epistemológicas, filosóficas, e etc., da QTP, as premissas vão quase que sempre no sentido da negação de nossa modernidade. Uma vez que centra na a atuação política na defesa dos “grupos orgânicos”, e uma vez também que a maioria destes grupos orgânicos possuem no cerne de sua identidade de grupo certos elementos “míticos” ou “tradicionais”, os postulados da QTP virão no sentido de defender tais elementos, onde um ponto central da QTP é que tais povos tenham o pleno direito de viverem suas tradições.

“Tradição”, a propósito, é uma palavra frequente que vamos ouvir entre eles.

Entretanto, para um mundo em que estas tradições e grupos orgânicos sigam por si mesmos e “floresçam plenamente” há um caminho a ser percorrido, que não necessariamente anda sempre com a própria tradição.

Isto é, há aliados no caminho para se chegar a este fim último, que devem ser apoiados de maneira incondicional, desde que ajude na resistência contra a “unipolaridade imperialista/globalista”.

E daí vem o que eles chamam de Multipolaridade.

A multipolaridade pode ser entendida aqui como uma tática para um projeto maior, mas ao mesmo tempo como um fim em si mesma (vista como uma finalidade mais imediata). O que quero dizer com isso?

Quero dizer que, mesmo os grupos orgânicos e a tradição sendo algo central, combater o imperialismo (por ele ser liberal) desemboca no apoio a movimentos que não sejam necessariamente “tradicionalistas”.

E isso será legítimo para os dissidentes uma vez que “a multipolaridade é um fim e si mesmo conveniente para que os povos se reencontrem espiritualmente”. Daí, mesmo que o tradicionalismo não esteja em jogo em determinada questão, ainda assim a multipolaridade, isso é, a “variedade” mundial, será algo bom, “há um certo eco nietzchiano que valoriza a variedade por si só contra a padronização globalista liberal”.

E igualmente como eles prezam por essa multipolaridade política anti-imperialista, as formas econômicas que a QTP vai considerar legítima serão todas que se afastem dessa unipolaridade capitalista. Sendo válido para eles tamém o socialismo, mas não apenas ele, pois admite-se entre eles uma série de alternativas: o distributismo, o comunalismo, o mutualismo, um estatismo nacional-desenvolvimentista, e todas as formas econômicas que para eles estão fora do eixo imperialista global, até mesmo em grupos étnico-orgânicos que tem formas “tradicionais” de gerir a sociedade (que nós marxistas costumamos chamar de maneira geral como comunismo primitivo, apesar de ter pequenos nuances entre uma forma e outra), e que para a QTP são formas igualmente legítimas de alternativa ao capitalismo e à unipolaridade.

Estranha e “diferente”, todas estas formulações, concordam?

Agora falemos um pouco da personalidade por trás dela.

5 – “A concepção de Mundo de Alexandr Dugin”

Dugin é a personalidade central desta teoria. Pode-se dizer que ele é “mentor” e patrono ideológico dos adeptos da dissidência.

Podemos enquadrá-lo como um “pensador radical anti-sistema, como um Chomsky ou um Zizek, porém com uma conotação tradicionalista” ou mesmo um teórico tradicionalista da “contra-hegemonia radical”.

Dugin não é o formulador de “uma ideologia”, na verdade, ele formulou uma base geral que permite “as mais variadas ideologias”, por isso, entre os próprios defensores da QTP não vemos exatamente um programa duginista a ser aplicado ao mundo.

As “análises e os paradigmas políticos que ele coloca permitem várias posições ideológicas”.

Ora, isto explica o diálogo que há entre pensadores e figuras políticas de linhas diversas, assim como o contato de movimentos variados (algumas vezes antagônicos, tidos como movimentos de direita e de esquerda) com a pessoa do Alexandr Dugin.

Para a concepção de Dugin e dos seus adeptos, “os Estados Unidos são os portadores da modernidade liberal. Destroem os valores e as vidas ao redor do mundo, acabam com a independência e auto-expressão, produz uma cultura industrial massificada, etc. Então, se você é tradicionalista, você precisa apoiar a multipolaridade e os movimentos de resistência, bem como qualquer expressão cultural tradicional, em contraposição as novas identidades ‘modernas’/’pós-modernas’ (pós-identidade, identidade globalista/cosmopolita, etc.)”.

No que concerne a Rússia (país de Dugin), uma vez que ele entende a Rússia como uma comunidade multinacional e multiétnica e coloca essas diferentes identidades como sujeitos políticos de sua teoria, ele vai se opor tanto as ingerências do imperialismo globalizante contra a Rússia (que pretende deteriorar essas identidades numa linha liberal, globalista) quanto aos próprios grupos fascistas russos (que são grupos ultra-chauvinistas, que na concepção de Dugin pautariam a deterioração dessas múltiplas identidades nacionais e étnicas da Rússia, em prol de uma falsa ideia de um “russo eslavo único”).

Dugin defende o identitarismo e os grupos orgânicos culturais locais, regionais, religiosos ou indígenas (sempre no apego ao “tradicional”), e sua ideia de Narod não tem a ver com o Estado-Nação (como na Terceira Via, em geral) ou a Raça (como no nazismo, em específico), e é “algo que serve mais para uma comunidade religiosa ou, por exemplo – se aplicado no Brasil -, um quilombo”.

O Estado-Nação surge como um processo de superação desses elementos tradicionais citados acima. Este ‘nacionalismo’ e o Estado-Nação são elementos “modernos”, e o que Dugin defende é “uma revolta ao mundo moderno”.

6 – “E os ‘duginistas’ brasileiros?”

Em termos de organização, o principal expoente deles, no Brasil, é o Nova Resistência, mas também há a figura da Flávia Virginia (que por acaso é filha do cantor Djavan) com formação em estudos africanos em Geografia pela USP, obviamente defensora dos “grupos tradicionais” de África (e em qualquer lugar no mundo), e coordena o CEM (Centro de Estudos Multipolares). Curiosamente ela é discípula direta e pessoal daquele que ela chama de “professor Dugin”, sendo provavelmente a “maior intelectual da QTP” em solo brasileiro.

Mas voltando ao Nova Resistência…

Suas posições políticas e atuação militante se dá mais ou menos desta forma:

ORGANIZAÇÃO: O grupo é relativamente “solto”, ao contrário dos moldes de “partido de quadros” que a tradição marxista-leninista normalmente usa. Ou seja, há alguma linha geral que o movimento segue, mas ele não é tão “centralizador”, com um Comitê Central que comanda e orienta um Comitê Regional, e assim sucessivamente. Se pautam como um movimento de resistência e socialização em si mesmo, mas que também possuem fins externos. Costumam se organizar por meio de círculos de reuniões e de estudos.

ANÁLISES NACIONAIS: São contra o golpe parlamentar (passado como impeachment contra o PT) e fazem oposição ao presidente golpista Michel Temer. Defendem também uma reforma agrária radical, se colocando do lado dos movimentos camponeses e contra os ruralistas. Consideram os neofascistas como linha auxiliar da direita institucional, mas ao mesmo tempo acreditam que as pessoas que atendem pelo arquétipo comum do anarquista “AntiFa” (sobretudo os de São Paulo) não passam de liberais enrustidos, sendo nas análises deles duas faces da mesma moeda. Eles boicotaram as eleições anteriormente, mas alguns de seus membros cogitam dar algum apoio ao nacional-desenvolvimentista Ciro Gomes, nas eleições de 2018. Para o Brasil, são fortes defensores os grupos orgânicos regionais (como o sertanejo nordestino, o gaúcho sulista, etc.), assim como de outros grupos étnicos que aqui residem (como os indígenas, quilombolas, etc), defendendo de maneira irresoluta a tradição de todos eles, e se colocam sempre ao lado de uma maior autodeterminação regional e local em oposição a uma centralização.

ATUAÇÃO PRÁTICA: Realizam ações de propaganda e agitação, se articulam em organismos de solidariedade internacional à Novorrúsia, Síria, etc., e também prestam apoio a outros países e movimentos, como o Irã, Venezuela, o Hezbollah, a Rússia, Coreia Popular, etc., e inclusive atuaram de maneira destacada na propaganda da resistência da Novarrússia ajudando, assim, a ida de voluntários brasileiros para lá. Realizam variadas atividades culturais, ações de caridade e assistência, bem como estimulam seus membros a realizarem (e organizam também, enquanto movimento) visitas e doações de materiais a casas especializadas em bairros, doação de sangue, etc. Por último, também realizam treinamentos físicos.

7 – “O Marxismo sobre a QTP”

Já foi o momento de expor informações para compreendermos a dinâmica da Quarta Teoria, de como eles se portam no mundo, ou mesmo no Brasil. Agora, depois de entendermos melhor o que são tais grupos, se faz necessário tecer comentários sobre o que nós, marxistas, podemos avaliar desta corrente.

É necessário aqui (e o faço sob a luz do marxismo-leninismo) entender tal corrente para além da adesão à ela (adesão, na minha opinião, equivocada), ou dos alarmismos tacanhos contra ela, que nada ajudam a esclarecer (o alarmismo que costuma tachar de fascista até o poste da esquina).

Obviamente, as divergências entre Marxismo e QTP são inúmeras, e se formos enumerá-las em todas as suas bases epistemológicas, filosóficas, etc. isso renderia uma tese de doutorado…

Os elementos ‘modernizantes’ do Marxismo e de suas “variantes” (Leninismo, Ideia Juche, Pensamento Mao Tsé-Tung, etc.) se colocadas lado a lado com as concepções críticas da modernidade da QTP em toda sua retórica “pré-moderna” que, inclusive, se confunde bastante com certos postulados teóricos pós-modernos que podem ser encontrados no meio acadêmico brasileiro (em particular na antropologia cultural) renderão uma extensa lista de diferenças.

Todavia, acho mais importante focar nossas atenções, naquilo que é central do porquê o marxismo ainda não foi superado por nenhuma das outras “teorias políticas”, e nem muito menos por uma suposta “quarta”.

E o que é principal fator da persistência do marxismo na atualidade? O condicionante-mor da sociedade humana: a infraestrutura econômica.

Bem, há que se reconhecer equívocos do movimento comunista, sobretudo no século XX, e como portadores da crítica e da autocrítica, nós, comunistas, realizamos ela sobre vários temas. Eu, particularmente, sou adepto da autocrítica de certas limitações do movimento feminino e a maneira como se deu a questão da homossexualidade em alguns países socialistas (como na URSS). Mas o faço dentro do prisma do marxismo, dentro do prisma do movimento comunista. É uma autocrítica que serve para não repetirmos certos erros que cometemos no passado, e para evoluirmos e acertarmos cada vez mais em nossa prática. Mas, ainda como comunistas!

Nenhum dos equívocos tomados pelo movimento comunista num passado, que infelizmente não volta (infelizmente… por todo avanço que perdemos, e porque não podemos voltar para consertar certos erros)… nenhum desses equívocos são tão grandes a ponto de negarmos a grandeza da própria causa comunista e do marxismo-leninismo nos dias atuais. Isso é, nada disto tira a importância central que há na luta de classes.

A infraestrutura econômica continua a ser o condicionante de todas as superestruturas políticas, culturais e ideológicas. As contradições que se dão no seio da superestrutura econômica ainda persistem e são cada vez maiores. A luta de classes possui, ainda, uma centralidade inquestionável. A concepção de que os principais atritos e conflitos políticos, hoje, se centram, não nestas contradições econômicas, mas sim no conflito “Globalismo-Identidade Cultural”, é uma afirmação idealista, que não condiz com a mínima observação da realidade.

Apesar de terem a sua importância (que, de fato, nós marxistas devamos dá atenção a tais temas que, em certas ocasiões, negligenciamos), a luta de determinadas identidades e culturas, não são a força-motora da roda da história. Esses atritos culturais-identitários não condicionam o desenvolver da sociedade e da luta de classes.

Ao contrário: é, na verdade, a luta de classes que condiciona o desenvolve da sociedade e estes atritos culturais-identitários.

Quando uma transnacional tenta destruir a forma de vida e as tradições de um determinado grupo étnico, essa transnacional não tem, em primeira ou última instância, a intenção de destruir aquela cultura e identidade. Quando ela faz isso – e quase sempre elas o fazem –, elas fazem por interesses tão puramente econômicos, e todo o resto são consequências e reflexos desses interesses que se sobressaem aos outros.

Os embates em torno da manutenção de certas tradições e costumes, não possuem o peso de ser algo determinante ou o elemento condicionador. Via de regra, eles são, pela infraestrutura econômica, condicionados!

Este embate “identitário”, em relação aos embates sociais, não é, nem nunca vai ser, o elemento que mais influencia. Em contrapartida, ao lado do componente econômico, ele é quem é o elemento que é mais influenciado!

Esta é a realidade como ela é, e enquanto assim o for (isto é, enquanto a sociedade de classes permanecer), a razão de ser e de existir da causa comunista, continua viva e o marxismo continua a ser a corrente teórico-ideológica que melhor explica os nossos problemas sociais, assim como nos norteia para a resolução destes mesmos problemas.

Os movimentos e indivíduos adeptos da dissidência realizam algumas importantes ações, como na divulgação da resistência antifascista do povo de Novarrúsia, na sua oposição ao golpe parlamentar patrocinado pelo imperialismo, etc. Entretanto, caem numa sina idealista e equivocada, ao ver a realidade social de uma forma que ela não é.

E no momento em que qualquer corrente acadêmica ou teórica, que seja, age no sentido de diminuir a centralidade das contradições que deveriam ser consideras as principais, se faz como mais necessário a defesa do método marxista e da sua superioridade teórica.


B. Torres é militante do NP (Nova Pátria) e coordenador de estudos do CMNE. Costuma abordar o Movimento Comunista Internacional, o Marxismo-Leninismo, a Realidade Brasileira e o Nacionalismo de esquerda..


NOTAS E OBSERVAÇÕES:

I – A quase totalidade dos trechos e paragráfos que estão “aspeados” são raciocínios e comentários do companheiro André Drumond Ortega, integrante da Revista Opera, e é um dos marxistas brasileiros que mais conhece, de fato, a obra de Alexandr Dugin.

II: O texto tem por intenção (como o título mostra) esclarecer o que é a QTP (uma teoria “contra hegemônica” tradicionalista) e pontuar a principal diferença da QTP com o Marxismo (a centralidade das contradições na infraestrutura econômica). Esses são os propósitos desse escrito, e não algo “além disso” ou mais aprofundado que isto. Obviamente, para mais detalhes de comparação epistemológica e conceitual entre a dissidência e o marxismo, carecemos de um outro texto (que posso ou não fazer no futuro, se houver uma maior demanda para tal). Há, claro, mais divergências minhas (e acredito que dos marxistas, em geral) com a QTP que podem ser levantadas, como por exemplo, na forma como abordam a questão da homossexualidade, de temas como o aborto, e etc., onde sua total “negação da modernidade” centrando-se em defender tudo que é “tradicional”, acabam levando tais temas a um norte que considero inadequado.

9 comentários sobre “Precisamos falar sobre ‘Quarta Teoria Política’: o que é a Dissidência e a sua principal diferença com o Marxismo (por B. Torres)

  1. Um breve esclarecimento: A LNT conhece a QTP e a retórica “revolucionária” utilizada pela Nova Resistência. Somos nacionalistas, reunindo o melhor da Esquerda nacional histórica – o trabalhismo – e o melhor do que se convencionou se chamar de Direita, o tradicionalismo social. De resto, boa análise. Também me agradaria conversar com alguém da(o) Nova Pátria, para futuras parcerias.

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  2. Esse texto faz, definitivamente, o melhor resumo da Quarta Teoria que já li, e só por isso merece meus parabéns. Até mesmo a defesa que fez do Marxismo possui uma lucidez rara de se ver em adeptos do gênero.
    Só penso que a questão da Infra Estrutura Econômica exigiria muito mais aprofundamento e que isso talvez mostrasse a nível prático a pouca diferença de conduta trabalhista, sendo que a QTP só é totalmente incompatível com o ideal utópico teleológico do Marxismo, que reflete seus pressupostos materialistas redutivos.
    Mas isso abriria outra discussão a qual eu faço mais pela via da biologia que da sociologia.

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  3. Creio só que na questão da conceituação dos grupos, além de faltar o AVANTE (como já pontuado) que tende a se aproximar mais do NR e de Dugin e desta perspectiva mais regional-local e dos “grupos orgânicos”, o caso da LNT é diverso, pois é um grupo nacionalista, que faz uma defesa mais baseada no Estado Nação moderno mesmo, tendo como figura central o Vargas. Se enquadraria mais como uma variante nacionalista (não fascista) da terceira teoria.

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  5. O texto faz uma análise comprometida com o lúcido esclarecimento,com certeza,oriundo de uma mente dispota a um diálogo maduro sobre questão tão mal debatida por inflmadas paixões sem verdades.No entanto,e apesar de eu também ser comunista,conisderei a análise final,concernente a ser o “comunimo marxista”, insuperado pelas outras vias,um tanto vaga e pretensiosa.Poeria ser mai preciso nesta parte,mas no geral , o texto é bastante elucidativo.

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